"Beijinho no ombro" só para quem tem a disposição de Juliana Veiga
- Sara Nayara
- 19 de jun. de 2018
- 6 min de leitura
Atualizado: 3 de dez. de 2018
Apresentadora relembra sua carreira de atleta, conta sua trajetória no jornalismo e dá uma aula de empoderamento feminino ao passar por cima do preconceito

São 40 anos de trabalho, esporte, saúde, graça e disposição. Pentacampeã de snowboard, Juliana migrou para o jornalismo após um acidente e não se abalou, deu a volta por cima e hoje é apresentadora do programa esportivo Sportscenter, do canal ESPN. “Rainha das groselhas”, ela não tem medo de ser feliz e conquista a todos com seu profissionalismo e simpatia. Juliana fala com exclusividade sobre sua vivência na televisão, rádio e meio esportivo e comenta a campanha #deixaelatrabalhar.
● A paixão pelo jornalismo nasceu através do esporte? Conte-nos um pouco sobre sua carreira no snowboard.
Eu sempre quis ser jornalista, desde criança, mas comecei como atleta. Outras coisas me puxaram. Fiz turismo uma época, mas com 15 anos virei atleta profissional de snowboard, comecei a competir em vários países com a equipe brasileira, em campeonatos nacionais, internacionais. Sempre, nestes eventos, havia a presença da televisão, eu conheci a ESPN em um deles, inclusive. Eu dava muitas entrevistas e a galera sempre me questionava “Por que você não faz TV?”, elogiavam minha voz. Mesmo admirando a profissão, eu nunca havia entrado em nada da área, até então. Depois de 9 anos como atleta, acabei sofrendo um acidente muito grave, tive de parar com a carreira profissional. Aí, surgiu um convite do SportTv para participar de um programa de esportes de inverno, se chamava “Na neve” (2001). Eu aceitei, fiquei um ano viajando e fazendo o programa. O mais engraçado é que eu sempre gostei de jornalismo e ele quem acabou me puxando do esporte.
● É mais confortável estar na frente das câmeras e ter sua imagem reconhecida ou ser a voz misteriosa por trás dos microfones em comerciais?
Eu gosto muito dos dois. Acho que a TV é uma coisa que você adquire esse jogo de cintura, o quebra-gelo. Tudo é com o tempo, foi uma coisa que fui aprendendo e deu certo. Já estar por trás dessa mídia é muito legal também, tenho uma liberdade enorme, posso fazer gestos, me mexer, me soltar. Algo muito sério que eu penso é que a carreira de jornalista tem certo tempo para mulher. Este ano faço 40 anos e, principalmente, no esporte não sei mais quanto tempo posso estimar trabalhando na área. Se fosse em outro setor, talvez em algo mais tradicional, vemos mulheres de 60, 70 anos atuando, mas o jornalismo esportivo tem essa característica mais jovem. Eu vou ser locutora para sempre, tenho essa estimativa certa, jornalista já não sei.
● Quem foram as pessoas que mais te inspiraram, serviram de espelho no jornalismo esportivo?
Eu sempre fui muito da área dos esportes radicais, então eu me inspirei muito na Glenda Kozlowski porque ela é ex-atleta e veio para o jornalismo, tenho essa certa identificação. Eu tenho referências de pessoas que trabalhei durante a minha vida. Como entrei para o jornalismo muito de supetão, fui admirando aqueles que estavam muito próximos a mim, como o Luciano do Valle, Daniela Monteiro. Sou fã do jornalismo da Ana Paula Padrão, admiradora do Ricardo Boechat, várias referências neste sentido. E o jornalismo com relação à profissão, eu acredito que muitas pessoas nos inspiram, mas nós devemos nos inspirar na gente para ter uma personalidade no ar, para não sermos a cópia de determinado jornalista.
● Como surgiu o convite para apresentadora da ESPN? Naquele momento da sua carreira, você já esperava ou foi uma surpresa a se encarar? Qual sua recordação do primeiro programa?
Como eu frequentava a ESPN ainda atleta, entre meus 16 e 20 anos, eu já tinha uma relação bem bacana com a diretora do departamento de esportes radicais. Quando estava saindo da Band, fiquei um tempo vendo com ela a possibilidade de uma vaga na casa, porém não havia ainda. Passaram-se alguns anos, trabalhei como locutora e em um determinado momento recebi uma ligação dela. Nessa época, eu nem pensava mais em voltar a TV, era para um teste na ESPN, fiquei bem desanimada, mas fui somente para fazer uma visita. Acabei fazendo o teste, passados dois dias, me ligaram me dando o trabalho, então não foi nada planejado. Enquanto estava como locutora, sempre coloquei na cabeça que se um dia por acaso tivesse de voltar para TV, queria um canal como ESPN, Disney Channel, Discovery Channel, algo assim, que eu gosto e me identifico. O primeiro programa foi sensacional, fiquei muito nervosa, fazia seis anos que não trabalhava no vídeo, então a hora que entrou no ar, rodou a vinheta, eu estava intacta, maravilhosa, no plano da câmera, só que da cintura para baixo eu tremia (risos). Passei mal quando sai da gravação, estava ensopada de suor, a maquiagem melada. Quando eu entrei na redação estava todo mundo gritando “parabéns”. Dois meses depois, por aí, eu já tinha quebrado o gelo, não sentia mais aquele nervoso tão forte. Naquela época, no primeiro mês, fiquei muito nervosa porque era muita gente me olhando. Quando você entra em uma emissora nova, você se torna o centro das atenções, as televisões das salas ligadas, todo mundo me assistindo, era uma baita pressão.
● Já são seis anos de ESPN. Neste tempo de casa qual a melhor experiência que você carrega?
Participar de ações como representante jurídica na ESPN no GRAAC e na Unicef. Eu sou embaixadora [da Unicef] como pessoa física e jurídica, então assim a ESPN me proporcionou chegar perto de ações que me agradam muito, me trouxeram muita satisfação.
● Ser mulher em uma área tão machista é uma tarefa e tanto. Você já sofreu algum tipo de preconceito ou até mesmo sentiu seu trabalho desacreditado pelo fato de ser mulher?
Essa pergunta é chave, é o que quase todo mundo me pergunta. Graças a Deus, eu nunca passei por nenhum problema, nenhuma dificuldade no meu trabalho. Eu acho que pelo fato de eu ter vindo do esporte, as pessoas têm um super respeito, me admiram, me acham radical e a maioria quando eu chego, no ambiente de trabalho, reconhece a “Juliana do snow”. Ou seja, acompanhou essa minha fase da carreira. Vem uma admiração, por trás, que se sobrepõe a jornalista e a mulher. Eu acho que o preconceito vem muito mais da galera que assiste. Os fãs as vezes acabam sendo mais preconceituosos do que pessoas que trabalham no meio.
● Você participou da campanha #deixaelatrabalhar que recentemente denunciou diversos casos de assédio no esporte. Como você vê esta luta feminina e qual a importância de campanhas como esta?
Eu acho que demorou para nós [mulheres] começarmos a fazer campanhas como essa, demorou para começarmos a gritar e botar para fora tudo que a gente passa. Eu não frequento campo, não sou repórter de rua, então não passo muito por essa situação. Nunca passei, graças a Deus. Mas tenho muitas amigas que já passaram. Acho de extrema importância que isso se fortaleça, cresça e cada vez mais tome dimensões enormes. Para mim, isso vem muito da educação de casa, nós lidamos com um público que já é preconceituoso, já tem isso inserido e é meio difícil de mudar. A não ser quando isso chega muito perto da vida deles, da família deles. Acho que a chave está no futuro, ou seja, as mães e pais tem que conscientizar os filhos de que respeito é primordial, seja homem, seja mulher, independente do gênero, da orientação sexual e da idade. Tem muita gente que fica chocada na hora que assiste, que vê que está acontecendo mesmo e pensa: “coitada das meninas”. Mas não, coitadas não, vamos ser fortes, vamos lutar contra isso e tem que ser assim, aconteceu, já mostra, divulga, alerta a campanha e denuncia. Eu sempre denuncio no instagram, já sofri agressões verbais, tiro print da tela, posto, exponho o agressor, respondo. Mas, infelizmente, temos que ter cuidado porque qualquer hora posso ser agredida fisicamente, temos que conviver com essa sensação.
● Com mais uma Copa do mundo se aproximando, o aumento do número de repórteres mulheres para esta cobertura é um sinal muito positivo. Mas ainda estamos longe do que seria uma igualdade da mulher em coberturas esportivas?
Sim, ainda é baixo, porém tem aumentado bastante. Desde a última Copa, no SportTv, tinha várias meninas. Nas Olimpíadas tivemos muitas, está crescendo. Existem canais que tem tantas mulheres como homens, como: FOX, Esporte Interativo. Nós não estamos tão atrás. Com relação a cargos, aí é diferente, mas acho que tem, sim, bastante mulheres e isso tende a crescer mais ainda.
● Qual o significado de quebrar tabus dentro do espaço que hoje você ocupa?
Eu acho que antes de quebrar tabus, é ter a personalidade forte. Não mudar. É lutar por ela, mostrar quem você é, sempre. Não aceitar o que os outros querem te impor. Isso sim é quebrar um tabu. É você se manter, independente de tudo que vai acontecer. É aceitar que quem gosta do seu trabalho, gosta e quem não gosta, faz parte.Ser mulher é muito difícil. Acho que na vida, você luta contra o preconceito, diferença salarial, você luta com tudo, então o quebrar tabu é você se manter forte, firme e com personalidade.
● Com uma carreira tão extensa e completa, o que Juliana Veiga ainda almeja? O que você ainda gostaria de adicionar ao seu currículo profissional?
Eu acho que quero dirigir algum programa bem legal. Criar um programa bem interessante e trabalhar mais com crianças, no sentido de ações sociais, acho que tem muita coisa a se faze. Na área de educação, entretenimento, esporte, que é importante para estas crianças, para o público infantil.
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